quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Deuses Americanos, Psicologia e Outras coisas

Deuses Americanos

Recentemente conheci os escritos de um autor chamado Neil Gaiman. Para começar li seus dois livros de contos "Coisas Frágeis" I e II. Foi amor. Fiquei apaixonada pelo estilo dele de escrever, misturando realidade e ficção de uma maneira tão natural.

Então, por indicação de amigas, eu fui ler o Deuses Americanos (que estava em promoção na Black Fraude Friday, por parível que increça).

Não quero dar grandes spoilers sobre o livro, mas contextualizando: é a história de uma guerra iminente entre deuses americanos e deuses modernos. O grande lance é que os Estados Unidos (local onde se passa o livro) foi populado por pessoas de outros lugares do mundo, que trouxeram consigo seus deuses (africanos, europeus...) e eles, a muito custo, tentam sobreviver na terra do Tio Sam.
Os deuses modernos (televisão, internet, tecnologias) estão tomando o tempo das pessoas, e existe uma guerra se aproximando para "disputa de território". É surpreendente, e eu indico com força a leitura.

Separei pequenos trechos que achei significativos, e os reproduzo abaixo para que sintam o gostinho.

"Alguém me disse uma vez que esses momentos em que todo mundo cala a boca ao mesmo tempo acontece quando passaram vinte minutos de uma hora completa ou quando faltam vinte minutos para completar uma hora".

"- Você está feliz? - perguntou o senhor Nancy, de repente.
- Não muito - respondeu Shadow - mas não estou morto.
- Hein?
- 'Não diga que um homem é feliz até que esteja morto'. Heródoto.
- Eu ainda não estou morto e, principalmente porque ainda não estou morto, estou feliz igual a um marisquinho".

"E achou que preferiria, em qualquer situação, uma atração de beira de estrada a um shopping, por mais desprezível, deformada ou triste que fosse". 

" - Eu sou a caixa dos idiotas. Sou a TV. Eu sou o olho que vê tudo e eu sou o mundo do raio catódico. Eu sou o tubo dos tolos...o pequeno altar na frente do qual a família se reúne para fazer suas preces.
- Você é a televisão? Ou é alguém na televisão?
- A TV é o altar. Eu sou aquilo pelo que as pessoas se sacrificam.
- Como elas se sacrificam?
- Dão o tempo que têm - disse Lucy - às vezes, umas às outras." 





Psicologia e Outras coisas

Um desses trechos, em especial, fez alguma coisa se movimentar em mim. Me fez pensar em um turbilhão de coisas, especialmente no "ser psicóloga".

É comum deitarmos na cama, à noite, e pensarmos em tudo aquilo que ouvimos. Imaginarmos como estariam nossos pacientes* naquele  momento. Se estariam apanhando, sorrindo, chorando, desejando. Como estariam se sentindo.

Ser profissional de cuidados com os outros é como ter uma fogueira acesa a qual você precisa tomar conta, mas não deve se queimar.

E esse conselho nos é dado, em nome do que chamam de "profissionalismo". Ninguém sabe bem o que é isso, mas falam sobre mesmo assim.

Muitos de nós, recém-psicólogos (e eu desconfio que profissionais mais experientes também, embora escondam melhor) temos dificuldades em estabelecer uma barreira entre as histórias que ouvimos e as nossas próprias histórias.

Então, questiono: eu realmente posso exercer uma boa prática profissional se não me envolver na história da pessoa? E por outro lado, eu realmente posso exercer uma boa prática profissional se estiver envolvida nesta história?

Acho que não existe resposta, e talvez até mesmo a forma de questionar isso não deva ser tão simplista, tão "sim ou não".

Eis aqui o trecho culpado por essa chuva de ideias:

"Nenhum homem, proclamou Donne, é uma ilha, e ele estava errado. Se nós não fôssemos ilhas, estaríamos perdidos, afogados nas tragédias dos outros. 
Nós nos isolamos (uma palavra que significa, literalmente, ser transformado em ilha) da tragédia dos outros por nossa natureza de ilha, e pelo desenho e pela forma repetitiva das histórias. [...]

Sem indivíduos, enxergamos apenas números: mil mortos, cem mil mortos, "o número de vítimas pode chegar a um milhão". 

Com histórias individuais, as estatísticas se transformam em pessoas - mas até isso é mentira, porque as pessoas continuam a sofrer em números que, por si só, são entorpecentes e sem sentido. [...]

Nós desenhamos nossos limites ao redor desses momentos de dor...continuamos em nossas ilhas, e eles não podem nos ferir. Ficam escondidos sob uma cobertura nacarada, suave e segura para que escorreguem, como as ervilhas, de nossas almas sem que sintamos dor verdadeira".


*Paciente é um nome que a Psicologia importou da medicina, mas não é o mais adequado, especialmente por carregar em si a ideia de passividade. Cliente também não me parece muito melhor, me dá a impressão de que a pessoa está comprando saúde mental (não que não seja verdade, mas...). Ainda não cheguei a uma conclusão sobre como nomear as pessoas que cumprem este papel de serem __________?

Um comentário:

  1. Auxiliares de produção. Produzindo e contribuindo para que os psicólogos produzam ideias, problemas, conceitos e soluções. AFJr., seu primo ;)

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