Há dias em que felizes coincidências acontecem.
Enquanto
estudava um livro da Naomi Wolf, chamado “O mito da beleza” fiz uma pausa,
entrei na internet e me deparei com a nota publicada por Nathalí Macedo para o
Geledés sobre o recente comentário público de Dalai Lama (que pode ser vista integralmente aqui)
Aí, pumba! A relação entre uma coisa e outra foi inevitável...
A Nathalí escreveu: "Dalai
Lama é um guru. Ganhador do prêmio Nobel da Paz, com um discurso de igualdade e
declaradamente feminista: em tese, um homem em que se pode confiar. Por isso
mesmo minha surpresa descontente com sua última afirmação: Dalai gostaria de
ser sucedido por uma mulher atraente. ATRAENTE. Ele poderia querer ser sucedido
por uma mulher sábia, espiritualizada ou socialmente comprometida. Mas quando
se fala de mulheres – seja lá qual for o assunto – há muitas outras coisas que
são lembradas e mencionadas em detrimento de nossa própria condição humana.
Somos julgadas – para o bem ou para o mal – primeiro por sermos mulheres, e
depois por sermos seres sociais como quaisquer outros [...] E mesmo nas
situações mais cotidianas e banais ser mulher tem um preço: se cometemos uma
imprudência no trânsito, ninguém grita através da janela “IMPRUDENTE,
IRRESPONSÁVEL!” O som é quase sempre o mesmo: Puta! [...] O que eu espero da
sucessora de Dalai Lama é alguém que – atraente ou não – enxergue que mulheres
são muito mais que beleza e graciosidade, e que a plenitude espiritual passa inevitavelmente
pela ideia de igualdade e respeito. E que mostre ao mundo – como muitas de
nossas companheiras já têm conseguido – que mulher nenhuma precisa ser atraente
para assumir o seu papel no mundo".
Nesta nota,
Nathalí fala sobre a supervalorização da beleza em detrimento de outras
características da mulher – justamente o que Naomi Wolf denominou “O mito da
beleza”, em 1991.
A feminista norte americana fez uma relação muito interessante sobre o crescimento da
mulher enquanto figura ativa no cenário sócio-econômico e o aumento de
distúrbios de alimentação, cirurgias plásticas, consumo e pornografia. Segundo
comenta, “trinta e três mil mulheres americanas afirmaram a pesquisadores que
preferiam perder de cinco a sete quilos a alcançar qualquer outro objetivo”. E ainda que “existe uma subvida secreta que envenena nossa liberdade:
imersa em conceitos de beleza, ela é um escuro filão de ódio a nós mesmas,
obsessões com o físico, pânico de envelhecer e pavor de perder o controle”. Não
é nada difícil ver essa característica em nosso cotidiano: olhemos para nós
mesmas e para os outdoors, revistas e filmes: o desespero está estampado.
Este tal mito da
beleza substituiu outros mecanismos de controle históricos de forma eficaz,
pois embora estejamos muito mais inseridas no mercado de trabalho e nos
movimentos como um todo, continuamos aprisionadas a este julgamento estético.
Ele “se fortaleceu para assumir a função
de coerção social que os mitos da maternidade, domesticidade, castidade e
passividade não conseguem mais realizar. Ela procura neste instante destruir
psicologicamente e às ocultas tudo de positivo que o feminismo proporcionou às
mulheres material e publicamente”. Isso significa, em termos práticos, que até
pode ser que uma mulher seja considerada uma boa monja, solidária, inteligente
e habilidosa em liderança, mas ainda assim deve ser atraente – enquanto nunca
ouvi uma única palavra sobre a careca ou a pancinha de Dalai Lama.
Mas o Mito da
Beleza não é somente sobre aparência: “Na realidade sempre
determina o comportamento, não a aparência. A juventude e (até recentemente) a
virgindade foram "bonitas" nas mulheres por representarem a
ignorância sexual e a falta de experiência. O envelhecimento na mulher é
"feio" porque as mulheres adquirem poder com o passar do tempo e
porque os elos entre as gerações de mulheres devem sempre ser rompidos. As
mulheres mais velhas temem as jovens, as jovens temem as velhas, e o mito da
beleza mutila o curso da vida de todas. E o que é mais instigante, a nossa
identidade deve ter como base a nossa "beleza", de tal forma que
permaneçamos vulneráveis à aprovação externa, trazendo nosso amor-próprio, esse
órgão sensível e vital, exposto a todos”. Ele é um chute em nossa autoestima e
segurança que nos força a emitir uma porção de comportamentos em busca do
ideal.
Essa busca nos ocupa; e esta ocupação com a beleza é um “trabalho
inesgotável porém efêmero que assumiu o lugar das tarefas domésticas, também
inesgotáveis e efêmeras”. Inclusive para mulheres ocupadas o suficiente com
outras tarefas, como figuras públicas e líderes. Sobre isso, Naomi comenta: “Quando
se atrai a atenção para as características físicas de líderes de mulheres,
essas líderes podem ser repudiadas por serem bonitas demais ou feias demais. O
resultado líquido é impedir que as mulheres se identifiquem com as questões. Se
a mulher pública for estigmatizada como sendo "bonita", ela será uma
ameaça, uma rival, ou simplesmente uma pessoa não muito séria. Se for criticada
por ser "feia", qualquer mulher se arrisca a ser descrita com o mesmo
adjetivo se se identificar com as idéias dela. As implicações políticas do fato
de que nenhuma mulher ou grupo de mulheres, sejam elas donas-de-casa,
prostitutas, astronautas, políticas ou feministas, podem sobreviver ilesos ao
escrutínio devastador do mito da beleza, ainda não foram avaliadas por inteiro.
Portanto, a tática de dividir para conquistar foi eficaz”.